O poder da invisibilidade

Ser Invisível é um poder que nos foi atribuído há mais de 130 anos e até hoje esperam que permaneçamos usando ele. Não querem nos ver em lugar algum, devemos continuar invisíveis para que a vida deles, os algozes, possa seguir o curso normal sem ver o semelhante que é diferente e ao mesmo tempo tão igual. Voltar há um normal que não nos enxerga, um normal onde não temos voz, somos somente corpos moreninhos ou escuros que obstruem seus caminhos para uma branquitude plena.

Devemos trabalhar em silêncio pois um poder anula o outro. Como um ser invisível poderia falar? Estamos no século XXI mas a mentalidade da sociedade ainda está cinco séculos atrasada. Somos a força motriz que impulsiona a economia de um país rico, que é o celeiro do mundo e onde a maioria invisível trabalha passando fome. Há um apagamento físico, social e moral que não é de hoje ou de ontem, é desde que trouxeram pessoas empilhadas em condições desumanas para trabalhar de graça. Somos sistematicamente ignorados em nome de uma sociedade justa e igualitária que não existe, mesmo em seus melhores discursos por igualdade ainda ouvimos absurdos como: “Eu sou uma mulher branca de 60 anos e não consigo ganhar um edital porque agora é tudo para outras cores”. Nem ao menos se dirigem a nós como seres humanos, somos ‘‘outras cores’’. Somos apenas aqueles que abriram caminhos para que as “senhoras brancas” pudessem ter os seus privilégios até os 60 anos.

Não temos garantia, nunca tivemos, nem quando foi assinada uma lei que nos marginalizou e nos condenou ao ostracismo social e não nos deixou outra alternativa a não ser nos aquilombar-mos em busca dos nossos iguais e da tão sonhada liberdade. Ainda hoje vivemos sob o jugo de leis que não incentivam, de cotas que não são distribuídas a quem realmente são destinadas, de pessoas que nos apresentam como se fôssemos a sua salvação do julgamento, ‘‘eu tenho um amigo preto’’. Nos pedem para esquecer o passado e continuarmos invisíveis, mas já esquecemos tantas coisas, esquecemos nossas origens, esquecemos nossos ancestrais, não vamos esquecer mais nada, não vamos esquecer as injustiças, não vamos esquecer quem somos e principalmente não vamos mais tolerar o embranquecimento disfarçado pela miscigenação imposto durante tantos séculos. ‘‘Isso é passado’’ – nos dizem – ‘‘esqueçam, esqueçam sua história, esqueçam sua glória’’. Esqueçam o quão forte vocês são ao se unirem e estaremos salvos na nossa branca ignorância patética.

Sentimos muito, quer dizer, não sentimos não e não vamos esquecer mais nada, vamos nos reencontrar com nosso passado, vamos abrir os baús guardados na memória dos nossos pretos e pretas velhas. Vamos nos reconectar com nosso legado. O mundo está mudando, nossas vozes estão sendo ouvidas, o poder impingido da invisibilidade será devolvido, não nos serve mais e talvez nunca tenha servido. Teoricamente os tempos de intolerância já se acabaram, porém se levantarmos o manto cor de rosa da hipocrisia vamos encontrar os mesmos senhores feudais e os feitores de escravizados reencarnados com uma nova roupa, uma roupa rota com a etiqueta “Não sou racista”, suja de sangue preto.

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