Com este bordão, uma figura emblemática das artes negras do Rio Grande do Sul, o Giba Giba, ficará para sempre em nossa memória. Carismático e com visões futuristas, o artista nos antecedeu as previsões nebulosas do dia a dia. Com tiradas irônicas, de uma verídica realidade, condicionada ao negro na sociedade, sua sabedoria filosófica conhecia bem os meandros dos julgamentos e expressões veladas daqueles que viam quando um negro se destacava.
Giba Giba nos disse: ‘‘A fórmula básica do racismo já veio com uma regra pré-estabelecida: rotular um povo como o diferente. Ora, isso não existe, nós seres humanos somos todos iguais. O nosso potencial se iguala ao deles, só o que nos diferencia são desigualdades sociais, e, negacionismos de natureza cultural e histórica’’.
Sobre as origens das espécies – vindas dos estudos darwinianos – ainda permanecem nos dias atuais desinformações se referindo ao negro: portadores de pele escura, raça inferior. Portadores de pele alva, raça superior. Isso é o que preconiza o sentimento discriminatório ao nos colocar em um nível abaixo, tratando-nos como “os inatos”, nos rotulando de pobres coitados, que só no futebol ou no carnaval conseguem se destacar. Isso é deprimente.
Sabemos bem, um olhar que segrega, fere muito mais que palavras acusatórias – gestos de desprezo, num simples toque de mão, aquele velho ditado: ‘‘negro quando não suja na entrada, suja na saída’’. São expressões gastas? Sim. Veladas ou com atitudes conscientes na intenção de nos colocar no lugar de simples servis, como serventes de cozinha, segurando uma enxada, babá, motorista de madame, pau pra toda obra.
Além de tudo, a contradição, ‘‘aqueles negrinhos de perna fina, são os melhores, mais ágeis e trabalhadores’’. São por essas atitudes que todo dia nos sentimos como nas senzalas ou indo para o tronco. Hoje, o tronco nada mais é do que o vergonhoso preconceito racial institucional enraizado na memória dos brancos, das influências negativas ao podarem as ações afirmativas para a nossa possibilidade de ascensão socioeconômica.
O século XXI trouxe transformações e muitas discussões sobre a condição da realidade dos que lutam contra a massificação discriminatória ferindo a democracia ou quando assistimos os discursos inflexíveis sobre a polêmica das cotas e o ‘‘alto’’ índice da negritude entrando pela porta da frente nas universidades. Alto em relação a quê?
Porém, quando penso em nossos salvadores da pátria dentro do caldeirão cultural que o negro consegue se impor. Pela resistência de sua força. A crua realidade tem nos mostrado a escassa divulgação de nossos heróis que a literatura conta, mas que são pouco trabalhado nos bancos escolares, além de nossos cidadãos, daqui e de longe, que se projetaram nas lutas de seus legados como, Zumbi dos Palmares, Malcolm X, João Cândido, Mandela, Martin Luther King, Aleijadinho, Carlos Santos,, Milton Gonçalves, Grande Otelo, Machado de Assis, Cruz e Souza, Solano Trindade, Oliveira Silveira, Ruth de Souza, Maria Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis, Maya Angelou, Ângela Davis, Luiza Bairros, Mãe Menininha do Gantois, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Cartola, Nelson Cavaquinho, Candeia, Pixinguinha, Mussum, Jamelão, Bob Marley, Emilio Santiago, Sirmar Antunes, Cesar Passarinho, Bedeu, Luis Vagner, Giba Giba.
Enfim, essas ilustres pessoas negras que se destacaram, cada um com suas características, e contribuiram com a história do nosso orgulho negro. Todos tiveram na linguagem a mesma influência discursiva de valor, cujo berço foi embalado pela mãe África. O Brasil é um país miscigenado, mas urge aceitarmos essa realidade. Quando eu via Giba Giba batucar no Sopapo Poético com aquela autoridade que só os grandes mestres sabem passar seus recados, em cada palmada no couro ressoava o mesmo ritmo da batida do coração, a gritar com fervor a expressão dita, na década de 70, num festival de música popular, quando Bedeu cantou , repetindo a estrofe do samba Deixa a tristeza: ‘‘Já raiou a liberdade, preconceito chega ao fim, sou negro de verdade ninguém zomba mais de mim”.
Infelizes são aqueles que ainda insistem em entupir o cano de descarga dos carros com bananas e nos chamar de macacos e de outras barbaridades, ao matar nossos jovens e crianças, estuprar nossas mulheres e assassinar as lideranças políticas (Quem matou Marielle?) e tantas outras injustiças cujos crimes ainda estão impunes. Pobres seres de alvas peles e mentes incultas, eles têm medo que a nossa cor tire seus brilhos. Zombar faz parte dos fracos. Lutar pela liberdade é a mais bela expressão de dignidade de um povo unido – e essa é a verdadeira essência da capacidade de nos tornar visíveis. E como diria o mestre Giba Giba: “Cuidado que eles já nos viram!’’.
